sábado, 2 de julho de 2011

2 de julho, CID TEIXEIRA


O 2 de julho



Antes de mais nada, é um louvor que precisamos fazer ao povo da Bahia quando se fala na independência da Bahia.
 Foi preciso que chegasse 1988 para que, alguma autoridade pública se lembrasse de dizer que dois de julho era feriado. Não era. Para os efeitos legais era um dia como outro qualquer. Só que nenhum feriado foi mais feriado na Bahia do que o dia dois de julho, porque se há um momento em que há uma imposição do povo, este momento é a independência da Bahia.
Joel Rufino tem um livro cujo título me parece que engloba tudo que se possa dizer a respeito do Dois de Julho, "O dia em que o povo ganhou". Dizendo isso, diz tudo, tudo mais que eu possa dizer aqui é o adereço, é o acréscimo, é o enfeite dessa frase "o dia em que o povo ganhou".
Mas só se vai entender "o dia em que o povo ganhou" se nós percorrermos os antecedentes desse dia em que o povo ganhou.
Há um equívoco muito grande até a independência, em falarmos de Brasil como um todo. Um todo, do ponto de vista do colonizador, um todo, do ponto de vista português, aí sim; você tem do Amazonas ao rio da Prata uma colônia que se chama Brasil. Mas do ponto de vista sociológico brasileiro, nós temos váriosBrasis que só vão se compor politicamente na independência, com o nome de José Bonifácio, que é o grande costureiro da unidade nacional.
Repare que a independência dos povos hispano-americanos se fez com um picadinho de Nicaráguas e Panamás e Guatemalas, tudo cortado em miúdo, não foi possível se encontrar um denominador comum para o processo da independência hispano-americana.
No processo da independência luso-brasileira foi possível se encontrar o denominador comum Brasil, graças à costura, graças ao trabalho sistemático de unificação feito por José Bonifácio e seu grupo político. Mas não é desse que quero falar.
Falo, sim, de como é explicável, como é lógico, como fica cabível fazer com que um menino de ginásio entenda por que a independência do Brasil é no dia 07 de setembro de 1822 e nós comemoramos a independência aqui, em 02 de julho de 1823. Será que a Bahia não era Brasil naquela altura?
Era em termos!
 O sul do país, a partir da vinda da família real, a partir de Dom João VI por lá e da ida de Dom João VI, a ficada de Pedro I, o Fico, tudo isso era um foco político vinculado a Lisboa, era um foco político ligado à metrópole portuguesa, era um foco político que tinha muito pouco a ver com o Brasil do nordeste que era o Brasil produtor, o Brasil que interessava ao fisco, o Brasil que interessava ao negociante de açúcar, o Brasil que interessava à produção e não o Brasil que interessava à política.
Por isso que vocês vêem que o Sete de Setembro se faz sem maiores brigas. Dom Pedro diz as palavras que tem a dizer no Ipiranga, Portugal se dá por ciente e as coisas se passam sem maiores brigas, tudo está de acordo desde que se pague o debito com a Inglaterra, desde que não renuncie ao trono português após a morte de Dom João VI, desde que algumas clausulas fossem obedecidas. Ninguém queria manter o sul como colônia, o sul não interessava do ponto de vista tributário, o sul não interessava do ponto de vista da sua produção a Portugal.
Quem interessava era o nordeste, particularmente a Bahia e Pernambuco. Esses dois centros de produção açucareira, cujos tributos sustentavam – o sonho do Oriente já havia acabado há muito tempo para Portugal – cujos resultados tributários sustentavam a monarquia portuguesa, este sim é que era importante, esse que não tinha nenhum empenho, nenhum interesse, nenhuma vontade de que Portugal queria se desligar da situação de colônia.
Daí que não obstante reconhecer, reconhecer tacitamente a soberania de Pedro I no sul do país, a estrutura política portuguesa persistia, mandando para cá, mandando, não é mantendo, não, mandando para cá soldados, Bandeira de Melo, de alta competência, mandando tropa, mandando armamento, em suma, tomando todas as providências no sentido de que a colônia permanecesse colônia nos centros produtores, nos centros de açúcar.
Mas aqui encontravam a outra Bahia, que não era o Rio de Janeiro.
Vale a pena interpretar o que era a Bahia no final do século XVIII, no começo do século XIX.
Em primeiro lugar, safras de açúcar excepcionais. Éramos ricos, éramos muito ricos, éramos tão ricos que havia ricos particulares, os ricos particulares, não é poder público, não; que era capaz de financiar a vinda de toda a pedra lioz para a fachada de uma igreja, sem que isso lhe fizesse mossa na fortuna. Éramos ricos. E ricos, como todos eles que se passa, querem para os filhos futuros brilhantes.
O que é ser futuro brilhante no século XVIII?
É ser estudante na Europa, é ser estudante em Coimbra.
Então, se nós pegarmos a listagem dos estudantes baianos que estudaram em Coimbra, que estudaram em Montpellier, que estudaram em Strasbourg, que estudaram nas principais universidades européias no final do século XVIII e primeiros anos do século XIX; nós vamos ver que está lá a fina flor, a fina flor dos filhos dos senhores de engenho da Baía de Todos os Santos; Santo Amaro,CachoeiraSão Francisco do CondeMaragogipe, mandando seus filhos estudarem em Coimbra, mandando seus filhos estudarem em Montpellier, na França. E essa gente voltando.
Prá que os senhores tenham uma idéia, quem anda pensando em desconstruir a historia de Santo Amaro. Em 1822 – só estou dizendo isso entre parênteses – toda a Câmara de Santo Amaro, toda a Câmara de Vereadores era constituída de graduados universitários na Europa.
Onde é que se pode obter na Câmara de Vereadores de Salvador?
Sem nenhum demérito para os senhores vereadores. Mas me refiro ao padrão, tal nível de cultura, de conhecimento que uma câmara de vereadores de uma vila tinha naquela altura.
Então, não esqueçam de que o final do século XVIII e o começo do século XIX é o grande momento da ebulição napoleônica e da ebulição da Revolução Francesa.
Um estudante santoamarense ou cachoeirano em Paris, ele andava pela rua esbarrando em Diderot, em Dalembert, em Danton, em Marat, em Robespierre, estavam ali, ao alcance da mão deles. A revolução estava vivendo com eles.
Essa gente é que volta para o Brasil, essa gente é que vai ser a classe dirigente na preparação da independência. Então, não se ter uma independência mofina, uma independência meramente palaciana como foi a independência do Brasil no Sete de Setembro. Perdoem os globalistas.
Não se quer isto, o que se quer é uma independência de muito maior profundidade, de muito maior densidade, de muito maior conseqüência. Daí as duas famosas atas, a Ata de Cachoeira e a Ata de Santo Amaro. São dois momentos em que não se fala somente em, vamos dizer independência ou morte, cortar os laços e acabou. Não é isso, não.
Há um planejamento de estado, há uma intenção de obter resultados práticos concretos. Entre outras coisas – só para dar o exemplo aqui – na Ata da Câmara de Santo Amaro de 14 de junho, estabelece as bases dos desligamentos de Portugal como o Brasil, não se vai no açodamento de querer, vamos cortar agora, não é assim. Se vai cortar paulatinamente, se vai cortar consequentemente, inclusive criando uma universidade. Esse criar uma universidade aí tem muita importância.
O que é que se queria? Não deixar romper no Brasil os vínculos de cultura que aquela geração inteira tinha bebido na Europa. Então, você tem a lógica do processo.
Então, quando se quer falar em independência na Bahia, tem que se dicotomizar independência no Recôncavo, independência na capital.
Independência no Recôncavo, feita, pensada pela elite de senhores de engenho e seus filhos.
Independência da capital, o oposto. Nós éramos - não esqueçamos isso – o grande porto – não é demais repetir – ao sul da linha o Equador em todo o mundo que se disponha, nenhuma cidade tinha tal movimento marítimo, tal movimento de carga e descarregar, tal movimento de chegada e saída do que a cidade de Salvador, na segunda metade do século XVIII abaixo da linha do Equador, nenhuma. E marinheiros, criando-se aqui uma indústria de estaleiros, de reparo de navios, de construção de navios que não fazia vergonha comparada com qualquer estaleiro europeu. Qualquer estaleiro holandês ou qualquer estaleiro báltico não ficava muito na frente do que se fazia na Bahia em termos de navegação.
Isso faz com que o movimento do porto, em caráter de mais modesta vinculação, estivesse aceso perante a comunidade, diante do que se passava na Europa revolucionariamente.
Isso fica muito bem visto na conspiração baiana de 1798/99.
Quem conspira? Quem conspira é povo, é soldado de polícia, quem conspira é alfaiate, quem conspira é aquela gente que estava em contato com as tripulações que vinham da Europa encharcadas de idéias novas, encharcadas das idéias revolucionárias.
Então, nós temos – repare só – uma dicotomia, o Recôncavo que quer a independência a partir de uma visão, eu vou dizer grã-fina, mas não é grã-fina que eu quero dizer, não; é elitista dos senhores de engenhos, convivendo com uma cidade que queria a independência a partir de suas camadas populares. Este binômio é fundamental, ele é vital para que entendamos o processo; inclusive o processo da conspiração que em 1798/99 que é o grande precursor, que é aquele que faz com que a Bahia possa pensar em se tornar independente do Brasil.
Reparem que lá estão nomes como o de Manoel Faustino dos Santos Lira, João de Deus do Nascimento, Luiz Gonzaga das Virgens, nomes que aparecem nas camadas mais populares da cidade, convivendo ao mesmo tempo com o padre Francisco Agustinho Gomes, o mesmo que viria a ser mais tarde deputado nas cortes de Lisboa de 1820; convivendo com Francisco Vicente Viana, que viria a ser o barão de Rio das Contas; convivendo com Manoel Inácio da Cunha Menezes, que viria a ser o visconde do Rio Vermelho; então, havia um amálgama, havia realmente de clima proporcionante da independência na Bahia muito ao revés da acomodação que aconteceu no Rio de Janeiro.
Alguém tem notícia aqui de um mero movimento de rua em função do Sete de Setembro?
Foi proclamado, está muito bem, proclamou-se, acabou, não se fala mais nisso e fim de papo. Não houve um movimento de rua, quanto mais uma guerra.
Pois bem, é este movimento de rua que vai criando o caldo, criando confusão e criando, sobretudo, resistência do Brasil independente.
Não será mal dizer que no Rio de Janeiro, ao lado de Pedro I, que queria a independência, José Bonifácio, ao lado do governo em si, havia uma resistência muito aliada aos comerciantes ricos da Bahia que queriam a continuação. Porque é uma razão simples, os impostos do açúcar, os tributos do açúcar tinham tudo a ver com a exportação; ninguém ganhava dinheiro vendendo açúcar para adoçar café na Bahia, o grande negócio do açúcar era o negócio da exportação, cujos tributos estavam nas mãos da elite, da elite comerciante; então, não havia nenhum empenho em romper esse pacto, ao passo que, o produtor de açúcar do Recôncavo, aquele que fazia o açúcar, o dono do engenho, esse era o grande prejudicado porque as condições tributárias eram ditadas pelos comerciantes e não pelos produtores. Outro fato determinante da constituição do esquema de forças que vai determinar a independência da Bahia.
Ora, estas câmaras de vereadores de Santo Amaro e de Cachoeira, de São Francisco do Conde, de Maragogipe, para falar nas quatro principais, estas câmaras ainda não tiveram o respeito, o reconhecimento da sua importância na fixação da mentalidade pela independência. Claro que o que se queria de primeiro plano era a constituição de Pedro I como defensor perpetuo do Brasil, que era uma estratégia para chegar a uma ruptura, a um fim que seria o rompimento final. Mas enquanto não ficassem definidas as linhas de sucessão do império português, enquanto Pedro I fosse ainda, como viria a ser mais tarde, o sucessor natural de Dom João VI, não havia prudência em se fazer uma proclamação prol independência na Bahia, onde estavam concentradas as forças. Porque não esqueçamos isto, Madeira de Melo vem para Bahia depois do Sete de Setembro. Portugal alimentava a idéia de fazer com que isto aqui continuasse colônia, havia uma nítida intenção separatista, um Brasil independente no sul e um Brasil colônia, que se daria outro nome qualquer, no nordeste aqui. Repito, havia todo empenho português em continuar, a Bahia, o Brasil continuar na dependência econômica e política como colônia portuguesa.
É quando nomeia-se para cá Madeira de Melo, comandante das armas.
Para os menos informados, comandante das armas equivale hoje a comandante da região. Todo o aparato militar estava subordinado a ele.
É quando vem nomeado pelo Rio de Janeiro, Manoel Pedro de Freitas Guimarães, para comandante das armas.
Reparem que aí se faz, planejadamente, um confronto, como se diria hoje, numa linguajem mais popular, o Brasil dá testa para a nomeação de Bandeira de Melo. Se se nomear alguém que é um representante do colonialismo português, nomeia-se alguém que é o representante do liberalismo brasileiro.
Começa-se então, as escaramuças na capital, as escaramuças pela posse do cargo. Argumenta-se com filigranas jurídicas, depois argumenta-se a nível da força. Recolhe-se um ao forte de São Pedro para hostilizar, recolhe-se outro ao quartel do 9º para hostilizar. E, em suma, cria-se um clima de hostilidade já militar na cidade de Salvador.
É nessa altura que ocorre o episódio de Joana Angélica, baiana do Recôncavo, líder do convento do qual era sóror.
As escaramuças prosseguiam na cidade, tropas fiéis a Manoel Pedro de Freitas Guimarães estavam no que é hoje correspondente ao terminal de ônibus, na roça dos Barris, como se chamou antigamente. É o fundo do Colégio Estadual da Bahia, é o fundo do convento da Lapa. E tropas fiéis a Madeira de Mello estavam no centro da cidade.
A pergunta permanece, Joana Angélica foi somente a heroína da fé, impedindo o devassamento do seu convento, impedindo a violação da clausura ou Joana Angélica foi também uma heroína da independência, impedindo que as tropas fiéis baianas fossem atacadas de cima para baixo, do convento para o vale?
Finalmente, Manoel Pedro de Freitas Guimarães recolhe-se ao forte de São Pedro, donde se retira e Madeira de Melo fica senhor da cidade.
Ora, senhor da cidade, aí é que se estabelece realmente a equação do processo militar da independência. Recôncavo versus Salvador, capital versus Recôncavo.
Nós tínhamos vontade, a intenção, o dinheiro, nós tínhamos tudo para combater os portugueses, não tínhamos quem entendesse da disciplina militar prestante, quem entendesse ainda de como fazer guerra, de como brigar.
O Jose Bonifácio era maçom, Simon Bolívar era maçom, Pedro Labatut era maçom, estou dando esses três.
Um general francês de pouca informação, depois de troca de correspondência entre Simon Bolívar e José Bonifácio, foi escolhido para vir comandar o processo pela independência na Bahia.
Pedro Labatut chega inteiramente deslocado do contexto baiano prol independência, os senhores de engenho não o conheciam, o hostilizaram; a tropa, muito menos; os escravos, esses nem se consideram.
Então, reparem que chega um homem de alta competência estratégica, inteiramente perdido no processo em que vai comandar. Estabelece um quartel-general na fazenda Cangurungú, a fazenda Cangurungu hoje só tem ruínas. Fica bem pertinho do posto policial de Pirajá. Era propriedade de um homem chamado Afonso Moreira Temporal.
Estabelece o seu quartel-general ali e começa as conferências com os homens do Recôncavo. Alguns de bom grado, outros nem tanto, começam a ceder as suas tropas. Finalmente, Labatut convence a todos que não era possível fazer guerra com pequenas tropas, pequenos grupos armados nos engenhos, era preciso, era necessário acontecer um exército, alguma coisa piramidal onde houvesse uma estrutura de comando, de estado-maior e de tropa. E, depois de muito debate, consegue fazer três brigadas.
A essa altura, o estrategista que era, já conhecia a formação geomorfológica da cidade. Uma cidade em península, uma cidade que era como é até hoje.
Sitiar a cidade de Salvador pela fome era o que havia de mais, não direi fácil, mas de mais óbvio para uma campanha.
Ele divide o seu exército em três brigadas, a brigada da esquerda, do centro e da direita; distribui uma entre Itapoã e Brotas, isto é, fecha qualquer saída da cidade por ali; distribui outra de Brotas até Pirajá, principalmente Pirajá e uma terceira para Aratú e as ilhas e Passé e Mataripe. Pronto.
Aí, ele fecha a cidade e não vai brigar; simplesmente impede a saída para o abastecimento. Começa-se a querer morrer de fome aqui, começa-se a se comer rato na cidade de Salvador à falta de abastecimento.
A batalha de Pirajá, que é à noite, na noite de 07 de novembro de 1822, na verdade é um desespero, não é uma batalha no sentido assim, de ganhar a..., é romper uma linha para arranjar comida. É duro dizer, mas é verdadeiro. Em Pirajá porque Pirajá estava no último local possível de estrada disponível.
Madeira de Melo investe desesperadamente à noite para fazer a conquista daquele posto e obter abastecimento e viveres para a cidade.
A batalha foi à noite e quem descobriu isso. Descobriu não é bem a palavra. Quem anunciou isso, antes de qualquer historiador, foi um poeta, foi Castro Alves. É preciso lembrar como é o "Ode ao Dois de Julho".
"Debruçados do céu... a noite e os astros
Seguiam da peleja o incerto fado...
Era a tocha – o fuzil avermelhado..."
 E como o resultado da batalha só aconteceu no alvorecer, no fim da noite.
"Mas quando a branca estrela matutina
Surgiu do espaço... e as brisas forasteiras
Foram cantar os hinos do arrebol..."
Então, o avô de Castro Alves, o comandante José Antônio da Silva Castro estava na batalha, ele brigou na batalha.
E essa história há de ter sido contada, porque antes de qualquer historiador pesquisar documentos sobre o horário da batalha, já o poeta tinha anunciado isso.
Houve o corneta Lopes ou não houve o corneta Lopes?
De vez em quando aprecem aí uns historiadores que querem redescobrir a pólvora. Agora está na moda dizer não houve o corneta Lopes porque o corneta Lopes era português.
Ora, isso não prova coisa nenhuma, porque a tropa de Labatut estava cheia de portugueses aderentes à causa da independência. Não estavam os negociantes portugueses, mas de pobres portugueses estava cheíssima. E não é nada de mais que um corneteiro... E tenho mais, Ladislau dos Santos Titara, que é o autor do Hino ao Dois de Julho.
"Nunca mais o despotismo regerá nossas ações
Com tiranos não combinam brasileiros corações..."
 O autor do verso é Ladislau dos Santos Titara.
Ele estava presente, ele era soldado, ele brigou na batalha e diz que ouviu.
Ora, entre o testemunho de Santos Titara, que estava lá e diz que ouviu o toque de corneta avançar cavalaria, que não tinha cavalaria nenhuma mesmo, mas meteu medo ao pessoal do outro lado. Entre o depoimento de Santos Titara e a interpretação de um historiador mais recente, eu prefiro ficar com o testemunho presencial, com alguém que viu a batalha.
Bom, ocorre a batalha de Pirajá, os portugueses são derrotados, voltam à cidade. A batalha é na noite de 07 para 08 de novembro de 1822.
Castro Alves não erra quando diz: "Era no Dois de Julho. A pugna imensa travara-se nos cerros da Bahia".
Lido de primeira, dá a impressão de que ele diz que a batalha foi no dia dois de julho. Não foi. A batalha foi o dia 07 de novembro.
Agora, era no Dois de Julho, sim. Era no ciclo do Dois de Julho, no episódio do Dois de Julho. O Dois de Julho se chama toda a campanha da independência, até hoje é dia do Dois de Julho, no tempo do Dois de Julho. O Dois de Julho ficou sendo a campanha da independência.
De novembro de ’22 a julho de 1823 são as demarches da rendição, não foi um desbaratamento. Labatut foi preso nessa altura pela vaidade dos homens.
Os brasileiros vencedores, os oficiais acharam que não era próprio que a entrada triunfal do exército vitorioso fosse comandada por um general francês, e foi quem fez a força e foi quem ganhou a batalha.
Não entrou, foi recolhido preso a Câmara de Vereadores de Maragogipe. Depois teve tempo bastante para requerer a sua reintegração, a sua reabilitação, morreu marechal do exército brasileiro numa casa dos Barris, que hoje se chama Rua General Labatut por causa disso. Morreu na sua casa ali, restaurado nas suas glórias e teve a satisfação de ver o seu busto em bronze no local do ingresso das tropas que foi o Largo da Lapinha.
 Por que Lapinha? Por que os caboclos saem da Lapinha e por que caboclos?
Vale a pena se considerar o assunto.
Nós tivemos, sim, tivemos índios combatendo na campanha da independência, os índios da Pedra Branca estavam aqui de arco e flecha, atirando em português. O exército era um exército feito como Deus foi servido fazer, o exército tinha o "Encourados do Pedrão" comandados pelo padre Brayner. Não havia dinheiro prá farda formal, não era uma coisa bonitinha, não era bem isso; era uma gente sob um comando, isso é que é verdade e não um exército no sentido de formatura, um exército de parada, não, era um exército de brigar.
De 07 de novembro a 02 de julho, todas as demarches pela rendição.
Aparece aí um nome curiosíssimo, que é pouco referido e vale a pena ser considerado: Manoel Inácio da Cunha Menezes.
Manoel Inácio da Cunha Menezes viveria muito, ele morreu em 1850, era um homem muito rico, era o homem mais rico da Bahia. Ele morou numa casa que, os mais velhos aqui devem ter visto, uma casa que era oAeroclube da Bahia, lá, no caminho que vai prá Itapoá. Ali era a casa de Manoel Inácio da Cunha Menezes, cuja propriedade ia do Rio Vermelho, daquela ponte que tem na Mariquita até a sede de praia do Bahia, hoje e para dentro em igual tamanho, um quadrado. Prá você ter uma idéia assim, do dinheiro de Manoel Inácio da Cunha Menezes.
Ele foi escolhido por Madeira de Melo e por Labatut, ainda por Labatut, para ser o mediador da rendição, Bandeira de Melo se retiraria. E retirou-se. Os navios portugueses que trouxeram os soldados foram os mesmos que levaram de volta os soldados.
Aí aconteceu uma coisa curiosíssima. Ao tempo em que foi contratado Labatut para ser o general das tropas terrestres, Lorde Cochrane foi contratado também mercenário, para ser comandante das forças do mar e no seu comando resultou que também não foi possível mais a Portugal mandar socorro para Madeira de Melo, teve que se avir com o que tinha e perdeu.
Como nos acordos feitos para a rendição, Cochrane não foi ouvido, ele disse que não tinha acabado a guerra para ele, não; continuou perseguindo os navios de Madeira de Melo até o porto de Lisboa e tomando navio e tomando gente e fazendo estripulias de todo tamanho no mar. Então, ele é um herói meio para se considerar devagar. Realmente ele brigou, mas ele não aceitou a rendição argumentando que não tinha sido perguntado sobre coisa nenhuma e que não estava obrigado a aceitar condições que não foram estipuladas por ele.
A tropa de Madeira de Melo ainda sofreu o que o diabo enjeitou até chegar ao porto de Lisboa.
Cachoeira, Santo Amaro, Itaparica, Maragogipe. Fiquemos em primeiro lugar com Itaparica, uma ilha. Uma ilha famosa por sua postura estratégica. Desde os holandeses, Itaparica dá dor de cabeça a quem quer brigar na Baía de Todos os Santos. Porque ela era uma ilha, hoje tem uma ponte, é uma ilha que fica entre o continente e o continente, dentro da Baía de Todos os Santos. E foi essa ilha que serviu de ponte, serviu de caminho para que canhões vindos do Morro de São Paulo atravessassem-na para hostilizar as tropas de Madeira de Melo comandadas por Labatut. E é essa mesma ilha que impediu que Madeira de Melo saltasse para fazer isso.
Então, nomes como João das Botas, nomes como Maria Felipa, que é uma versão itaparicana de Maria Quitéria; são nomes que têm que ser mencionados quando falamos em Itaparica.
De Santo Amaro há tanto que dizer que não há nada a ser dito senão parcelada e sem muita minudencia. A Ata da Câmara Municipal da cidade de Salvador, de 14 de junho de 1822 é um documento fundamental que honraria qualquer nação independente do mundo. É um documento ponderável, é um documento feito com a intenção de fazer uma independência planejada, não é uma independência açodada, não é uma independência feita em caráter de animação, mas uma independência feita planificadamente.
Essa ata, com as assinaturas de toda a gente que lá estava, os homens bons da governança, tem sido reproduzida e deveria ser mais reproduzida. Assim como antigamente, não sei se ainda hoje, se tinha na sala o quadro da Santa Ceia de Leonardo da Vinci; um bom santoamarense deveria ter a ata impressa pendurada na sua casa, porque é o documento que faz a independência. Antes da Constituição Brasileira, é a primeira Constituição independente que o Brasil tem, é a primeira Constituição independente que o Brasil tem é a Ata de Santo Amaro.
Em Cachoeira, a tomada da canhoneira; em Cachoeira, o 25 de junho que é o momento que as hostilidades se iniciam, que as hostilidades irrompem.
Maragogipe foi a prisão de Labatut.
Em suma, as vilas do Recôncavo, todas estão mobilizadas. A vila de São Francisco.
"Velho sino, hoje calado, não reflete mais sentença de alcaides-mores, alvarás de vice-reis", a poesia de Artur de Sales continua sendo a grande beleza, em termos poéticos, que a independência nos ofereceu depois do "Ode ao Dois de Julho". Depois da "Ode ao Dois de Julho" que ocupa o seu lugar.
Maria Quitéria de Jesus, que pegou um cunhado poltrão, um cunhado que não era de briga, que era Medeiros e usou o nome dele prá se ingressar na tropa, o soldado Medeiros. Não se casou com Medeiros nenhum, era o cunhado que não queria briga, tinha medo, ela tomou o nome dele e foi brigar como sendo o soldado Medeiros.
Mas a cidade fica libertada e passamos a festejar o Dois de Julho.
Agora, aí entra um fato curiosíssimo. Longe de ser uma comemoração, o Dois de Julho é um protesto. É preciso não perder de vista que o poder público, o poder público estadual, federal, municipal entra no Dois de Julho para pagar as despesas.
O poder público federal, estadual ou municipal é um aderente, é um aderente pagador às festas do Dois de Julho que são festas do povo. Quando se diz que os carros alegóricos são propriedade do Instituto Geográfico Histórico da Bahia, não é só porque é uma instituição que hoje atravessa uma fase boa e tal, não é por aí; é que realmente, quem promoveu o Dois de Julho, quem fez a festa do Dois de Julho foi o povo. Por uma razão simples, rico sempre se entendeu com rico, uma vez feita a independência, a província foi entregue aos vencedores e os vencedores eram os homens ricos do Recôncavo, que não tardaram a se confraternizar com os homens ricos da capital, os exportadores de açúcar. E o povo, o povo que fez a guerra, o povo que brigou, o povo que morreu enforcado e esquartejado em 1798, esse ficou de fora.
Então, em 1824, no ano imediato, este mesmo povo refez o itinerário da troca que entrou na cidade, entrou na cidade no Largo da Lapinha, é bom dizer isso, porque até o Largo Lapinha não era a cidade propriamente dita, era a Estrada das Boiadas, o limite urbano estava no Largo da Lapinha. Por isso é que houve um acordo entre Lima e Silva, que comandava a tropa que entrou na cidade, e Madeira de Melo, dele entrar após um tiro de festim, um tiro anunciando a retirada do último soldado do forte de Santo Alberto, aquele forte que fica na Água de Meninos, um fortinho pequeno, fica na parte baixa da ladeira de São Francisco de Paula.
Depois de um tiro de festim, é que as tropas entraram na cidade, tropas populares, diga-se de passagem. O quadro de Presciliano Silva bem retrata isso, os soldados andrajosos, soldados descalços, era o que havia para entrar na cidade. Esse povo foi marginalizado, esse povo foi posto fora de qualquer comemoração.
Então, ele refaz, esse povo refaz o percurso da tropa, desde a Lapinha até o Terreiro, na Catedral e coloca em cima de uma carreta de canhão um caboclo, um índio ao vivo. E a partir daí, é o índio quem passa a ser o símbolo do Dois de Julho, por uma razão óbvia, não podia ser um homem branco porque o branco representava o português contra o qual se brigava; não se colocou um escravo porque o escravo era um escravo e como tal, não era representante da cidadania, escolhe-se um símbolo mágico, um símbolo ideal do homem, é este índio que vai ser substituído no ano seguinte pelo índio que vocês conhecem. É esse índio ao qual se acrescenta mais tarde a cabocla.
Pois bem, meus amigos, e então, de lá para cá, o caboclo vem sendo o símbolo. É um desfile de protesto, é um desfile de descontentamento, é um desfile de falar mal de autoridade ou falar bem de autoridade. É esse o espírito do Dois de Julho, é esse o desfile do Dois de Julho.

Editado por José Spinola (dezembro de 2008)



Crédito: CID TEIXEIRA

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