domingo, 27 de junho de 2010

Razões de ser do Brasil Livre, parte I

Não nasci sob o signo da ditadura, mas do regime democrático. Sou da geração pós guerra. Ainda criança, assisti , com meus olhos infantis, o surgimento de um regime autocrático que me apavorou desde o começo.
Ouvia meu pai dizer a minha mãe, "Gilka, ainda há esperança, Brizola está resistindo no Rio Grande do Sul". Nessa época meu pai era vereador, em Salvador, pelo PSD. A resistência de Brizola não prosperou. Jango era contra derramamento de sangue.
Nos primeiros momentos da ditadura, ouvíamos, constantemente, rumores de que meu pai seria preso a qualquer momento. Eu e meus irmãos ficávamos apavorados. Na verdade aterrorizados com essa idéia de ver nosso pai sendo preso.
Pequeno, recordo, conversei com minha irmã que tínhamos que lutar caso a "polícia do exército" entrasseem  nossa casa. Ela, mais velha, me dizia: "como, meu irmão, nós não temos armas e eles tem. "
Essa onda de boatos não cessava. Meu pai exercitava a vereança com muito brilho. Além disso exercia a medicina. Foi durante muito tempo um médico clínico conceituado e médico de família. A política e a medicina, para ele, eram duas devoções que se casavam. Como médico não podia suportar tanta injustiça e tantas desigualdades. Não tinha preocupações materiais. Saiu da política perdendo patrimônio. Vive com uma minguada aposentadoria do Estado e, face a idade, não recorreu à comissão de anistia para pleitear melhoria salarial. A aposentadoria dele, como médico do Estado, é vergonhosa para o próprio Estado.
Recordo que ele tinha um Jeep e, várias vezes compareci à Câmara Municipal onde tomei o melhor cafezinho da minha vida. Também ali, conheci um homem bastante idoso, com a pele enrugada e cabelos brancos. Era tão diferente! Usava um fraque, com o colarinho suspenso e uma gravata fina. Isso nos anos sessenta do século vinte! Era um homem do século dezenove, que retratava a moda de outro século. Era empático. Eu o olhava de um modo tal que ele veio ao meu encontro. Falou comigo, perguntou se sabia ler e escrever e me deu um lápis preto e uma cartilha. Depois perguntei a meu pai quem era aquele homem diferente e soube que era o vereador Cosme de Farias. Achei ele engraçado. Gostei dele, do jeito dele, do modo afável como se aproximou de mim e, principalmente pelo presente que me deu. Tempos depois é que fui conhecendo melhor a figura lendária de Cosme de Farias, o advogado dos pobres.
Mas, em meio a tanta boataria, chegou o dia mais terrível de todos. Os militares queriam a cabeça do prefeito Virgildásio Senna e qualquer vereador que se insurgisse sairia dali preso.
Pânico geral na Câmara de Vereadores da capital baiana. O zum-zum-zum era um só nesta soterópolis. Sempre tinham aquelas figuras que lembram os ´Silvérios dos Reis´. A lição de Cristo, que teve doze apóstolos,revela que um deles o negaria e outro o trairia. Os Palácios são assim, cheios de Silvérios e Iscariotes, não lhes faltam bajulação, intriga e outros ingredientes macabros que só os grandes homens podem suportar. Mas continuemos sem muitas divagações.
Ouvia muita gente pedindo a meu pai pra votar como mandavam os ditadores. Ele era irredutível até o dia em que eu disse, a mim mesmo: "ele tem razão, melhor ser preso como homem do que viver como um frouxo".
Temia, mas dava razão a ele. Não queria que ele fosse preso, afinal, era ele quem dava o sustento da família. Como ficaria minha mãe, eu e meus irmãos? Preocupações infantis. Só sabíamos brincar e estudar e agora vivíamos aquele pesadelo. Que seria de minha mãe?
Solidariedade consistente chegava através de meu tio, Geraldo da Costa Leal e de Dr. Jayme Guimarães, que tanto se notabilizou em defesa de presos políticos. Uma, dentre poucas figuras, notáveis, que conheci..

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